Dar a voz ao agricultor — oportunidade ou risco para Moçambique?
O Ministério da Agricultura, Ambiente e Pescas anunciou uma viragem profunda na política agrária nacional. A partir da campanha agrícola que agora inicia, a nova visão é clara: o agricultor estará no comando e a lógica de negócio passará a guiar a produção.
A decisão marca o fim de um ciclo de políticas paternalistas, em que o Estado e os projectos definiam o que se devia plantar, que insumos usar e para onde vender.
Na nossa opinião, trata-se de um passo arrojado e necessário, mas que traz consigo desafios sérios, sobretudo num país em que a base produtiva continua frágil e dependente de factores externos.
A ideia central é colocar o agricultor como verdadeiro protagonista do desenvolvimento rural, capaz de decidir segundo as condições do seu solo, do mercado e da sua própria ambição.
Quando o produtor escolhe com liberdade e tem acesso a instrumentos adequados, tende a agir com mais responsabilidade, investir melhor e procurar mercados mais seguros.
O programa InovAgro, implementado no norte do país, mostrou o potencial desta abordagem. Através da ligação directa entre pequenos produtores e empresas privadas de insumos e compra, agricultores de gergelim e feijão-boer passaram a negociar contratos de fornecimento, usar sementes melhoradas e planificar as suas campanhas com base em informação de mercado.
O resultado foi aumento de produtividade, rendimento e confiança. Essa experiência mostra que, quando a autonomia vem acompanhada de estrutura, o agricultor transforma-se num agente económico activo e não num mero beneficiário de projectos.
Mas esta mudança também expõe fragilidades que não se podem ignorar. A maioria dos agricultores moçambicanos continua dependente da chuva, sem acesso regular a crédito, a serviços de extensão ou a informação de preços.
Quando o Estado se afasta totalmente, a promessa de autonomia pode transformar-se em solidão.
Há distritos em Nampula e Zambézia onde, após o fim dos apoios à compra de fertilizantes e sementes, muitos produtores voltaram a usar material local de baixa qualidade, reduzindo a produtividade e o rendimento familiar. O resultado foi um passo atrás.
Na nossa opinião, a nova visão da agricultura tem méritos evidentes: dá dignidade ao agricultor, estimula o espírito de negócio e incentiva a diversificação.
Pode atrair investimento, reforçar a ligação ao mercado e reduzir dependências externas.
Experiências em países vizinhos, como o Malawi e a Tanzânia, mostram que a liberalização do mercado agrícola pode criar cooperativas fortes e cadeias de valor dinâmicas.
Em Moçambique, o modelo de contratos de produção de algodão em Cabo Delgado prova que, quando o agricultor tem garantias de compra e apoio técnico, investe com mais confiança e colhe melhores resultados.
Porém, os riscos são igualmente grandes. A autonomia, num país de fortes desigualdades, pode aprofundar a exclusão.
Os camponeses com menos acesso a informação, crédito e terra — sobretudo mulheres e jovens — podem ficar para trás.
A pressão para cultivar apenas produtos mais rentáveis pode reduzir a agrobiodiversidade e aumentar a dependência de insumos importados, fragilizando a soberania alimentar.
Sem regulação justa e políticas de apoio, a liberdade pode tornar-se um fardo, e não uma oportunidade.
O caminho, na nossa opinião, não é voltar ao controlo estatal, mas sim construir mecanismos que tornem a liberdade segura.
O Estado deve concentrar-se em criar as condições básicas: infra-estruturas, mercados rurais, serviços de extensão modernos, pesquisa agrícola adaptada e crédito acessível.
Experiências como as cooperativas hortícolas de Inhambane, que negociam directamente com hotéis e supermercados, mostram que é possível conciliar autonomia com apoio técnico e comercial.
O mesmo acontece com os seguros agrícolas indexados ao clima em Nampula, que ajudam o agricultor a planificar a produção sem medo de perder tudo com uma má colheita.
O desafio está em garantir que esta nova fase da agricultura moçambicana seja de inclusão, e não de exclusão. O agricultor deve ser livre para decidir, mas não pode ser deixado sozinho.
O Estado deve sair do papel de quem manda e assumir o de quem garante — garante condições, protege o pequeno produtor, regula o mercado e apoia a inovação.
Na nossa opinião, o fim do paternalismo é um avanço civilizacional, mas só fará sentido se for acompanhado de uma nova solidariedade rural.
A liberdade é essencial, mas só se transforma em progresso quando é acompanhada de justiça e protecção.
O agricultor moçambicano não precisa de ordens; precisa de oportunidades. E é nisso que deve assentar a nova política agrária: autonomia com segurança, mercado com equidade, e negócio com dignidade.