Reportagem

Os rios de Manica deixaram de correr com vida. Onde antes fluíam águas claras que alimentavam a produção agrícola, o gado e comunidades inteiras, hoje arrastam resíduos tóxicos e lamas pesadas, impróprias para a saúde.
Num retracto de uma mineração descontrolada e movida pelo lucro, seis rios que sustentavam a vida na província perderam o seu vigor. A pesca desapareceu, as plantações secaram e a sede
chegou às aldeias.
A morte dos rios Revuè, Nhauacaca, Zónue, Messica, Chimedza e Mudza tornou-se o símbolo mais visível de uma exploração que escapou ao controlo.
Perante este colapso ambiental, o Governo de Moçambique decidiu suspender todas as actividades mineiras em Manica, numa medida anunciada a 30 de Setembro, durante a 33.ª sessão Ordinária do Conselho de Ministros.
Mais do que uma acção administrativa, a decisão marca um ponto de viragem na forma como o país encara a exploração dos seus recursos naturais e os limites da tolerância à degradação ambiental.
A resolução do Executivo baseia-se num relatório técnico do Comando Operativo, coordenado pelo Ministro da Defesa Nacional, Cristóvão Chume, que entre 17 e 19 de Julho liderou uma missão inter-sectorial às zonas mais afectadas.
As conclusões são alarmantes: rios contaminados, fontes de água potável envenenadas e comunidades ribeirinhas mergulhadas numa crise ecológica e social sem precedentes.
“A fauna aquática encontra-se ameaçada e os campos agrícolas já não produzem como antes. As comunidades perderam acesso à água limpa para beber e irrigar, e a pesca reduziu drasticamente”, declarou o porta-voz do Conselho de Ministros, Inocêncio Impissa, ao anunciar o decreto do Executivo.
As causas são conhecidas: lavagem de minérios em leitos fluviais, despejo de resíduos químicos sem tratamento e abandono de crateras e equipamentos após a extracção.
A actividade mineira, legal e ilegal, foi-se expandindo sem controlo, degradando margens e alterando cursos de água até transformar ecossistemas férteis em valas estéreis.
Face à dimensão do desastre, o Governo não se limitou à suspensão das licenças. Determinou igualmente a criação de uma Comissão Interministerial, liderada pelo Ministro da Defesa, com o
mandato de reformular o regime de licenciamento e elaborar um plano de recuperação ambiental.
A comissão incluirá representantes de vários sectores do Estado, das comunidades locais e até dos operadores prevaricadores, num esforço conjunto de reparação e redefinição das regras de
exploração mineira.
O lucro acima da vida
O relatório do Comando Operativo revelou ainda a existência de mineração descontrolada, inclusive por empresas com licenças válidas, que operam sem planos de recuperação ambiental
nem mecanismos de contenção de riscos.
Segundo o documento, em muitos casos os equipamentos são abandonados após o uso, deixando crateras abertas e contaminação persistente — um retrato de negligência institucional e
empresarial.
Analistas e activistas ambientais consideram que o episódio de Manica representa um alerta nacional sobre o custo humano e ecológico da mineração não regulada — e um apelo à
responsabilidade colectiva sobre a gestão dos recursos do país.
Embora a suspensão produza efeitos imediatos, os impactos da degradação ambiental exigirão um processo longo e incerto de recuperação, observam especialistas, alertando para a urgência de
restaurar os ecossistemas afectados.
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