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Reportagem

Já não se produz como antes em Estevele

– Com o efeito das mudanças climáticas, falta de técnicas adequadas e o recurso apenas ao conhecimento ancestral, parte dos agricultores do sector familiar dizem que “já não há sintonia entre a terra e o camponês”.

Texto: Arão Nualane: Foto: MADER

Vão longos anos em que o distrito de Boane, extremo sul da província de Maputo, era uma das regiões a ter em conta no que à produção agrária diz respeito. Nos anos que correm, só os grandes produtores podem, por vezes, se dar por contentes, porque para quem pratica a agricultura familiar, a conclusão é de que a terra não mais parece a mesma, havendo mesmo vezes em que o trabalho do cultivo, não é mais do que um passa tempo.

Num dos distritos com grande potencial agrícola, a Revista Terra escalou a região de Estevele, na localidade de Gueguegue, mais concretamente, as povoações de Matchume e Nwakhombo, onde ouviu estórias de quem vive da terra, que hoje pouco dá, comparado com outros tempos.

Sara Gune abraçou a produção agrícola há mais de uma década. Em terras que antes eram apenas campos de produção, vê hoje as zonas de cultivo a serem cada vez reduzidas pelo avanço da urbanização, que vai levando mais betão ao invés da sementes. Olha para trás e diz que ser agricultor familiar hoje, já não é mais a mesma coisa.

Para a presente campanha, por exemplo, conta com cerca de dois hectares de terra cultivada, onde fez uma combinação de estacas de mandioqueira, amendoim e milho. No entanto, o verde que era suposto abundar por estas alturas é substituído por folhas castanhas, fazendo antever uma produção completamente perdida.

“Preparamos a terra, semeamos e tudo germinou sem problemas. Mas do nada, o calor ficou intenso e as culturas secaram” lamentou.

A alternância entre calor intenso e chuva fortes, muitas vezes “fora da época”, são uma  combinação letal para os pequenos produtores, em quase todo o país.

Sara Gune lembra dos tempos em que “havia uma sintonia entre o camponês e a natureza” que se traduzia em resultados bem positivos.

“Preparávamos a terra e lançávamos as sementes. A chuva caia de forma regular, daí que conseguíamos ter boa colheita, no que concerne ao amendoim, milho e mandioca”, recordou

Mudanças climáticas

Tal como em muitas comunidades, os agricultores de Estevele praticam a actividade, com base na réplica dos conhecimentos ancestrais.

Com as mudanças climáticas a baralharem o que antes sabiam, hoje são as autoridades tradicionais a determinar o conhecimento.

“Aqui em Estevele trabalhamos em coordenação com as estruturas tradicionais. Eles é que determinam quando é que temos que lançar as sementes na terra” explicou a fonte.

Não tem noção das mudanças climáticas na dimensão científica, mas sabe que os tempos já não são os mesmos.

“Notamos que as épocas mudaram. Às vezes o inverno demora chegar e quando lançamos as sementes, não germinam conforme o esperado. Outras vezes semeamos para o verão, também a estação demora chegar, pelo que fica difícil, pois, actualmente as épocas nos mostram situações que não conhecemos”, salientou.

Por sua vez, Francisco Mandlate, também agricultor naquela região, aponta para a presente época para mostrar que algo mudou nos ciclos produtivos.

“No que concerne ao amendoim, os que conseguiram fazer a sementeira de Setembro e Outubro, tiveram boa colheita, mas a sementeira seguinte foi muito afectada pelo calor e depois houve muita chuva que também prejudicou todas as culturas” explicou.

“Não entendemos sobre as mudanças da época, mas notamos que nos anos em que chove muito e faz muito calor, não temos boa produção” frisou.

A título de exemplo, os camponeses dizem que nos últimos cinco ou oito anos, a produção agrícola naquele ponto da província de Maputo tem caído de forma drástica, por causa da forma como a precipitação e o calor se comportam.

“O que fazemos é tenta sorte, se acertamos melhor ainda. Caso contrário, nos contentamos com os resultados negativos, mas sempre com esperança de dias melhores”, explicam.

Pragas: outro factor letal

Aliado à chuva e o sol, as pragas são outros problemas que prejudicam os agricultores familiares em várias áreas de Boane.

Sem acesso a assistência de extensionistas, Sara Gune, como outros camponeses, pouco sabe sobre “os bichinhos” que atacam as suas culturas, sobretudo o amendoim.

“Por vezes, durante a colheita, é normal numa planta termos apenas um ou dois amendoins, contudo, não desistimos, porque a agricultura é a base do nosso sustento”, salientou.

Para além do amendoim, o milho é outra cultura que não tem escapado às pragas.

“Por vezes a nossa esperança está no milho, mas também não temos bons resultados por causa dos bichos que comem a planta”, explicou, salientando que pouco fazem para conter a situação.

“O bichinho só come até se cansar e quando chega o tempo, eles desaparecem”, contou.

Sementes simuladas

O acesso a sementes melhoradas é um dos factores cruciais para a resistência das culturas face às pragas, mas em Estevele, este é um bem bastante escasso.

As nossas fontes dizem que tem havido um exercício ao nível local, de disponibilizar sementes melhoradas mas o que se faz, é apenas simular misturas.

“O que acontecia é que em coordenação com as autoridades locais, levamos uma quantidade correspondente a uma chávena de chá e eles misturam com outras sementes tratadas. Depois nos devolvem a mesma quantidade e de regresso à casa, misturamos com outras sementes não tratadas”, explicou Sara Gune.

Os camponeses de Estevele lamentam pela sua sorte, pois acreditam que se tivessem acesso a sementes melhoradas e serviços de extensionistas, não mais teriam motivos de queixa.

“Se tivéssemos acesso aos extensionistas seria um ganho, pois, iriamos aprender novas técnicas, porque agora usamos técnicas de cultivo antigas” disse Francisco Mandlate.

Mesmo com as adversidades das mudanças climáticas, pragas e sementes melhoradas, Rosita Cossa, outra camponesa de Estevele, acredita que, não fosse a prevalência do uso de enxada de cabo curto, muitas famílias teriam como compensar a situação.

“Nós que não temos condições de alugar um trator ou charrua puxada por bois, recorremos à enxada. Com isso, acabamos trabalhando pouca terra e, consequentemente, temos pouca produção”, sentenciou Rosita Cossa.

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