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Clima

Da Tragédia à Resiliência: O Caminho do Financiamento Climático

De enxada no ombro, Maria José, agricultora de 63 anos de idade, residente na aldeia de Tchindo, distrito de Búzi, na província de Sofala, caminha pelo seu campo ainda alagado.

As chuvas fora de época que caíram a meio do primeiro semestre do ano em curso, aliados à subida do rio Búzi, destruíram metade da machamba onde semeava milho e feijão.

O ciclone Idai levou-lhe a casa em 2019 e, desde então, a sua actividade no campo nunca mais voltou a ser a mesma e cada época chuvosa é uma incerteza.

“Eu era uma pessoa afortunada, porque não tenho preguiça. Trabalho na machamba desde a minha infância e conseguia satisfazer todas as minhas necessidades e da família, com a minha produção, mas agora a situação mudou e por vezes tenho que depender de apoios”, lamentou a
idosa, num contacto com a nossa reportagem.

Neste momento, a previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (INAM) para a época chuvosa que inicia em Outubro indica que, entre Janeiro e Março de 2026, o Centro e o Sul do país devem registrar chuvas acima da média, enquanto o Norte poderá enfrentar precipitação abaixo
do normal. Para muitos agricultores, esta será mais uma vez, uma campanha agrícola marcada pela incerteza.

As temperaturas tendem a ficar mais altas que o habitual um pouco em todo o país. Para milhares de famílias, as mudanças climáticas são acontecimentos concretos que afectam directamente a alimentação, a habitação e o sustento diário.

A realidade de Maria José é um espelho de milhões de moçambicanos em muitas comunidades do país. Dados recentes do Instituto Nacional de Gestão de desastres (INGD) indicam que durante a época chuvosa e ciclónica 2024/25, mais de 2,4 milhões de pessoas foram afectadas,
Destas, houve 326 mortos, sobretudo devido ao desabamento de casas durante os ciclones CHIDO, DIKELEDI e JUDE, e mais de 612 mil pessoas continuam deslocadas nas províncias de Cabo Delgado, Nampula e Niassa.

Desde o ano 2000, o país já registou, de acordo com dados consolidados, mais de 75 eventos severos, entre ciclones, cheias e secas, que provocaram perdas humanas e danos económicos significativos.

Estima-se que, sem investimentos robustos em adaptação e mitigação, mais de 1,6 milhões de pessoas poderão ser empurradas para a pobreza até 2050, o que reforça a urgência de medidas para mudar o curso deste destino.

Luz no túnel
Com os cenários conhecidos e dados da última década a colocarem Moçambique entre os dez países mais vulneráveis do mundo a fenómenos extremos, o Governo procura transformar a vulnerabilidade em oportunidade.

Para o efeito, o Conselho de Ministros aprovou neste mês de Setembro, a Estratégia Nacional de Financiamento Climático (ENFC) 2025 – 2034.

Trata-se de um plano de dez anos que procura estruturar respostas às vulnerabilidades climáticas, propondo medidas que prometem uma conexão directa com a vida das pessoas, nomeadamente, a criação de seguros agrários para que agricultores possam recuperar perdas em períodos de seca
ou cheias; capacitação comunitária, voltada para reforçar a actuação de instituições públicas e organizações da sociedade civil na gestão de recursos climáticos; e investimento em infra- estruturas resilientes, como estradas, sistemas de água e escolas, que contribuem para reduzir os
impactos de eventos extremos.

Segundo consta do documento que tivemos acesso, o plano busca transformar dados e previsões em acções práticas, equilibrando necessidades imediatas e planeamento de longo prazo, incluindo acções de inclusão social, “garantindo que mulheres, jovens, crianças e grupos
vulneráveis tenham acesso ao financiamento climático”.

“As mudanças climáticas não constituem apenas uma questão ambiental, mas sim uma agenda fundamental para o desenvolvimento sustentável”, sublinha o documento.

O custo da resiliência
Em termos financeiros, a estratégia pretende mobilizar 37,2 mil milhões de dólares em investimentos até 2030 para alcançar resiliência.
Com a estratégia, cuja visão é colocar Moçambique como “uma referência na mobilização e aplicação de recursos financeiros para acção climática”, apontam-se cinco instrumentos principais de captação de recursos, nomeadamente, donativos, créditos de carbono, seguros climáticos, dívida por clima e financiamento baseado em previsões.

O plano define acções em cinco áreas estratégicas, nomeadamente, o quadro legal, o sistema fiscal, o sistema financeiro, a capacitação e o acesso ao financiamento, com reformas visando “orientar a alocação de recursos e o planeamento de acções de forma mais estruturada, tornando as respostas climáticas mais consistentes e previsíveis”.

Entre a imprevisibilidade das chuvas e a aplicação das medidas do plano, está a vida de milhões de moçambicanos. Uma realidade concreta que não depende de optimismo ou pessimismo, mas da implementação consistente de políticas e mecanismos de resposta.

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