Entrevista
Em entrevista à Revista Terra, o edil da Beira, Albano Carige, deixou uma avaliação do estágio actual daquela que foi a cidade mais afectada pelo Idai. Segundo o edil, a cidade da Beira e os seus habitantes estão hoje mais resilientes.
“Temos uma cidade resiliente e temos munícipes, também, resilientes porque, 2019 foi um teste muito grande. Ninguém contava. Estávamos habituados a ver aquela situação nos filmes e fomos testados, mas valeu a pena porque sentimos que estamos aqui para resistir às intempéries, e, sobretudo, temos que nos transformar, fazer dos grandes desafios em oportunidades de solução “, avaliou.
Carige recordou o nível de destruição que aquele ciclone deixou ao nível das famílias e nas infraestruturas sociais e económicas da Beira, em particular que exigiram um grande desafio e empenho para em cinco anos, mudar a face de uma cidade que tinha “regredido 100 anos” e destacou o papel que os residentes tiveram no processo.
“Com o ciclone Idai as pessoas se esqueceram das cores políticas, da sua proveniência e todos queriam trabalhar. Queriam salvar e reerguer a Beira e cada um do seu lado vinha dando a sua mão dizendo, vamos para frente” explicou.
“Encontravas aquela população que não tinha nada a perguntar o que podemos fazer. Tínhamos durante o dia cerca de 800 a mil pessoas para trabalhar de graça, recebendo apenas um pão e um leite. Aquela força toda mostrava que a intempérie passou mas as pessoas ficaram e estão com garra para fazer valer a sua veia de ser beirense” salientou o actual edil que, durante o Idai desempenhava a função de vereador de Construção e Urbanização.
Nova mentalidade
O presidente da segunda maior autarquia do país considera que para além de activar o espírito de solidariedade interna, os desafios que o ciclone Idai acabaram impondo uma mudança de mentalidade nos munícipes que permite garantir que em caso de outros eventos similares, a capacidade de resposta para minimizar os danos é agora melhor.
“A capacidade actual é muito forte. Me lembro de um munícipe que (durante o ciclone) parou a janela e disse ‘estou a espera desse Idai quero ver, ainda não estou a ver’. Significa que a mente do munícipe mudou. Agora sabe o que deve fazer, como deve reagir, como deve estar, enquanto o ciclone não chegar”, assegurou.
“Com os nossos parceiros constituímos aquele plano que nos chamamos de my deadline time que estabelece o tempo necessário para que o evento chegue enquanto as pessoas já estão num lugar seguro. Isto também ajudou o munícipe a estar preparado para qualquer embate de extrema ou mínima intensidade, tendo em conta a experiência que já tivemos” destacou, garantindo que a capital de Sofala é hoje um exemplo para o mundo.
“Hoje estamos aqui aptos para continuar a trabalhar e mostrar ao mundo, que qualquer fenómeno igual ao ciclone Idai, podem vir a Beira adquirir experiência”.
Financiamento a conta-gotas
No dia 31 de Maio, dois meses depois da devastação, a comunidade internacional se reunia na Conferência Internacional de Doadores, para angariar os fundos necessários para a reconstrução pós-ciclone, que incluía não só os danos do Idai, mas também do Kenneth, que assolou a zona Norte, um mês antes.
A conferência culminou com promessas na ordem de 1,2 mil milhões de dólares que, segundo o compromisso então dado, devia começar a ser canalizado a partir do mês seguinte (Junho), mas, desde então, continua por cumprir.
“A expectativa era de que veríamos logo as casas a serem reconstruídas como que de imediato e o empresariado a receber apoio para reerguer os seus negócios mas, até hoje, as coisas ainda estão a conta-gotas” disse o edil.
“Tivemos de nos reinventarmos e fazer entender as pessoas para que não esperem que ninguém faça algo por elas, mas tenham de fazer por si próprias e, quando a ajuda chegar, vai adicionar naquilo que nós fazemos”.
Carige criticou a actuação do Gabinete para a Reconstrução que, segundo realçou, “não se fez sentir”.
“Só agora é que está a se fazer sentir. Estamos a falar de quatro anos depois. Todos aqueles projectos que eram considerados como sendo de emergência só agora é que estão a começar a ter resultados. Isto também foi um desafio e fez com que nos reinventássemos”.
Neste momento, Carige está mais optimista com o futuro do processo de reconstrução que já tem sinais positivos à vista.
“Estamos satisfeitos porque uma das grandes promessas, que era de avançar com o projecto de protecção costeira, já tem o concurso público lançado (no dia 19 de Janeiro). Também temos o projecto de valas de drenagem e a reconstrução das casas que já está no processo de levantamento para a correcção dos dados que tinham sido feitos há quatro anos, de modo a garantir que os fundos sejam aplicados de acordo com as necessidades actuais e reais” concluiu.
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