Reportagem
O distrito e o Município da Vila de Boane perderam este ano cerca de 44 mil toneladas de diversas culturas, devido à combinação entre o calor intenso e inundações no primeiro trimestre. Depois de quase um ano, os produtores ainda procuram se reerguer dos prejuízos, mas queixam-se de não ter apoio das autoridades locais.
Fevereiro de 2023. A chuva caía de forma incessante e a cada hora, as casas, ruas e campos agrícolas eram tomados pelas águas, deixando Boane sitiado e isolado do resto da província e cidade de Maputo.
Para além da população desalojada, a imagem de Boane, um município com grande componente agrícola, fica marcada por mais de 44 mil hectares de culturas alimentares diversas devastadas, com os produtores locais a relatarem episódios de falta de comida.
Incrédula com o que viu, Virgínia Nhantumbo ainda guarda má memórias daquele mês. Com 58 anos de idade, nasceu, cresceu e vive nas terras de Boane ganhando a vida pela prática da agricultura desde a tenra idade.
“Sofremos muito com aquelas chuvas. As pessoas ficaram sem as casas e sem as suas culturas” recordou.
Virgínia faz parte de uma associação local de camponeses e contou à nossa reportagem que a agremiação ainda se ressente dos efeitos daquelas chuvas.
“Além de termos perdido culturas perdemos todas máquinas que usávamos para bombear a água para a irrigação. O que também faz com que não tenhamos água é o facto das águas das chuvas terem arrastado areia até à represa que servia de principal fonte” frisou.
As cheias de Fevereiro chegaram depois de terem cultivados pela associação, 10 hectares de terra onde tinham lançado sementes de milho, que acabou engolido pelas águas.
“Havia uma parte em que tinha sobrado alguns pés de milho, mas não deu para grande coisa. Não conseguimos sequer colher o suficiente para comermos por muitos dias e quase nada para vender. Passámos por momentos muito difíceis”, lamentou a camponesa.
Júlio Maposse, membro da cooperativa 25 de Setembro, é outra vítima que conversou com a nossa reportagem, recordando as perdas, quer o nível de culturas, quer na pecuária.
“Eu perdi 60 leitões porque não aguentaram com as cheias. Perdi também duas motobombas, que até agora não estamos a conseguir recuperar, para além de três hectares de culturas diversas”, recordou.
Depois do “dilúvio”
Depois do “dilúvio” os produtores dizem que arregaçaram as mangas e voltaram a trabalhar a terra na esperança de que possam recuperar o tempo perdido.
Depois do “dilúvio” os produtores dizem que arregaçaram as mangas e voltaram a trabalhar a terra na esperança de que possam recuperar o tempo perdido.
“Foi difícil (recomeçar). Nem sequer caminhos existiam, contudo, tivemos que nos recompor por questões de sobrevivência, mas é muito difícil”. Explicou Ana Fumo.
“Agora, nós os produtores, estamos à espera de pessoas de boa vontade que nos possam prestar apoio”, salientou.
Gilda Guambe, membro da Associação Nlhuvuko, também frisa as dificuldades que estão a enfrentar para relançar a produção depois do que perderam e mostra pouca fé para a presente época agrícola.
“Nós estamos a pedir apoio para produzirmos. A nossa associação tem mais de 40 hectares que não estão a produzir. Já lavrámos uma parte, falta a outra. Mas não temos dinheiro” lamentou.
Dos produtores de Boane, o que mais se ouve por estes dias são pedidos de apoio para alavancar as suas actividades.
“Estamos a pedir apoio às pessoas que têm. Nós queremos trabalhar. A terra é fértil para milho, pimento, pepino e feijão. Somos 42 pessoas que não estamos a produzir” acrescentou Carlos Gomes, outro produtor.
Apoios que dividem
O presidente da União Distrital de Camponeses em Boane, Daniel Silva Uenzane, destaca os apoios que as associações receberam por parte do Governo e Organizações Não-Governamentais, concretamente em termos de alimentos, meios de produção, insumos e sementes, mas é cauteloso em relação aos produtores que já se beneficiaram de apoio para a sua recuperação.
“Nós recebemos as coisas essenciais para retomarmos à agricultura. Pode não ter chegado para todos como desejaríamos, mas maior parte das pessoas se beneficiaram do apoio e continua a haver promessas de mais ajuda para os produtores”, avançou.
Com a ajuda a chegar a “conta-gotas”, os prognósticos para a presente época são incertos, por conta das altas temperaturas registadas entre Novembro e princípios de Dezembro corrente
“Os camponeses até semearam nas primeiras chuvas, mas houve um calor intenso no fim de Novembro e princípio de Dezembro que não está a prometer que haverá uma boa produção, porque maior parte das culturas sofreu”, explicou aquele dirigente associativo.
Aviso prévio
O impacto das cheias para os produtores podia ter sido minimizado, não fosse a excluso de que os camponeses de Boane dizem ter sido vítimas por parte das autoridades responsáveis pelos sistema de previsão e alerta.
“As pessoas não sabiam que haveria chuva daquela dimensão. Aquilo apanhou-nos de surpresa. As pessoas não estavam preparadas em termos de protecção. Uma vez que estamos próximos da barragem dos Pequenos Libombos, podemos dizer que a própria barragem foi negligente”, observou o presidente da União Distrital de Camponeses em Boane.
“O INAM faz o seu trabalho de previsão, mas nós preferíamos a barragem dos Pequenos Libombos fosse mais comunicativa, por ser regulador da bacia do Umbeluzi”, disse.
Para a presente época chuvosa 2023/2024, os produtores em Boane esperam que haja melhorias no sistema de previsão de possíveis desastres, por forma a criar maior resiliência aos produtores.
De modo a melhorar o sistema de alerta, o presidente do Município da Vila de Boane, Jacinto Loureiro, disse à Revista Terra, que “foi montado um sistema de meteorologia em frente ao município e isto vai nos permitir termos mais dados meteorológicos e prever com melhor antecipação, o que se está a passar em termos de clima, bem como preparar os agricultores”.
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