Fim de combustíveis fósseis no horizonte

-COP 28 mostra luz no fundo do túnel, mas resistências do lobby das petrolíferas dá sinais de que o acordo de Dubai  pode ser apenas uma intenção.

Numa conferência com direito a um dia de prolongamento, fez-se luz ao fundo do túnel na rota para o fim dos combustíveis fósseis.
Depois de várias horas de lobbies, impasses e incertezas, o Sultan Al Jaber, presidente da COP 28, anunciava, a 13 de Dezembro, o acordo em torno dos combustíveis fósseis.
“Temos uma formulação sobre as energias fósseis no acordo final, pela primeira vez. Devemos estar orgulhosos deste sucesso histórico e os Emirados Árabes Unidos (EAU), o meu país, estão orgulhosos do seu papel para aqui chegarmos. Deixamos o Dubai de cabeça erguida”, exultava  Al Jaber.
Na primeira vez na história das COP que um documento final dos trabalhos reflecte a transição dos combustíveis fósseis para fontes energéticas alternativas, os países chegaram a um acordo que abre espaço para o que já classifica como um passo histórico para acelerar a acção climática.
O texto final, cujos termos foram negociados pelos Emirados Árabes Unidos, apela à “transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa”.
Os termos acordados, reflectem ainda a necessidade de se acelerar, ainda na presente década, considerada como crítica, a acção com o objectivo de alcançar a neutralidade do carbono em 2050”.
Contrariamente ao que era a pretensão das alas “progressistas” que defendiam que o texto final devia, de forma directa e objectiva, determinar a eliminação dos combustíveis fósseis, prevaleceu a vontade da organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), incluindo o país anfitrião (EAU).
No lugar de “eliminar” o texto final optou pelo termo  “transição”, o que, apesar das saudações que o desfecho teve, há sectores que dizem que soube a pouco, porque ainda abre espaço para a continuação da expansão dos combustíveis fósseis como fontes de energia.

O início do Fim

O Secretário Executivo da Organização das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, Simon Stiell, classificou o acordo sobre os combustíveis fósseis, de um avanço, mas foi menos cauteloso na avaliação.
“Não viramos a página da era dos combustíveis fósseis, mas este resultado é o começo do fim” disse Simon Stiell no seu discurso de encerramento da COP 28.
No mesmo desenvolvimento, Siell  apontou o que deve ser o caminho a seguir, no sentido de materializar o acordo alcançado.
“Agora, todos os governos e empresas precisam de transformar estes compromissos em resultados para a economia real, sem demora”, frisou.
Em jeito de balanço da conferência, aquele dirigente disse ser positivo, na medida em que culminou com a adopção de todos os elementos que estavam em negociação “e podem agora ser utilizados pelos países para desenvolver planos de acção climática mais fortes, previstos para 2025”.
Refira-se que, no geral, a COP 28 reconheceu e validou os dados da ciência que indicam que as emissões globais de gases com efeito de estufa precisam de ser controladas e reduzido em 43% até 2030, em comparação com os níveis de 2019, para limitar o aquecimento global a 1,5°C, admitindo, porém, que o passo actual está aquém do cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris.

Os Marcos de Dubai

Um dos principais marcos da conferência de Dubai é o acordo sobre a operacionalização do fundo de perdas e danos e dos acordos para o seu financiamento.

Com compromissos iniciais na ordem de pouco mais de 700 milhões de dólares que serão geridos por uma plataforma da Organização das Nações Unidas que terá como uma das responsabilidades, fornecer assistência técnica aos países em desenvolvimento que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas.

Por outro lado, as Partes acordaram metas para o Objectivo Global de Adaptação que estabelece metas e a necessidade de apoio financeiro, tecnológico e de capacitação para o seu alcance.

Aumentar o financiamento climático

O Fundo Verde para o Clima (GCF) recebeu um impulso para a sua segunda reposição, com promessas de financiamentos que atingiram um recorde de 12,8 mil milhões de dólares.

Por outro lado, oito governos ocidentais anunciaram novos compromissos para o Fundo dos Países Menos Desenvolvidos e para o Fundo Especial para as Alterações Climáticas, totalizando mais de 174 milhões de dólares.

Ainda assim, os valores prometidos são considerados como sendo exíguos para responder às demandas dos desafios climáticos.

“Estes compromissos financeiros estão muito aquém dos biliões necessários para apoiar os países em desenvolvimento nas transições para energias limpas, na implementação dos seus planos climáticos nacionais e nos esforços de adaptação” realçou Saimon Stiell que reiterou a necessidade de reformar a estrutura de financiamento.

“Para proporcionar esse financiamento, o balanço global sublinha a importância de reformar a arquitectura financeira multilateral e de acelerar o estabelecimento contínuo de fontes de financiamento novas e inovadoras”.

Alinhados os compromissos, a COP 28 definiu um novo objectivo colectivo para o financiamento climático que, a partir de 2024, aponta para necessidades financeiras na ordem de 100 mil milhões de dólares por ano, para financiar as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento.

Este valor deverá ser usado para apoiar a concepção e subsequente implementação de planos climáticos nacionais que precisam de ser concretizados até 2025.

“Não há justiça climática sem justiça social”

O ambientalista angolano, Bernardo Castro, considera que os resultados da COP 28 não podem ser vistos como um completo sucesso, pois podiam ter sido mais objectivos, a começar pela questão dos combustíveis fósseis.

“O balanço não é de todo positivo, embora entenda-se que há um passo dado da redução gradual dos combustíveis fósseis. Contudo, infelizmente esse passo é muito vago porque não há metas nem previsão de responsabilização para o caso de incumprimentos” disse.

Por outro lado, olhando numa perspectiva africana, o activista olha para o processo do fim de energias fósseis como desafiante, tendo em conta os problemas de desenvolvimento que continuam a ser a actualidade no continente, nomeadamente, a fome e a insegurança, daí que defende que não se pode chegar a uma justiça climática, sem “justiça social e económica”.

“Para os países africanos, a maior oportunidade está na exploração dos combustíveis fósseis. Falando, por exemplo, de Angola, a economia está atrelada ao petróleo. Perante os desafios ambientais, temos que apostar na adaptação, porque não vamos deixar de explorar os recursos. Não vale a pena, porque mesmo os países desenvolvidos não deixam”.