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Reportagem

Feijão-bóer: um negócio da Índia que agita Moçambique

A exportação do feijão-bóer para o mercado indiano está a criar um ambiente de cortar à faca entre o Governo e os comerciantes nacionais. Confusão na questão de cotas de exportação deixa milhares de toneladas nos armazéns e investidores com nervos à flor da pele.

A abertura do mercado indiano para uma quantidade ilimitada de feijão-bóer moçambicano, anunciado em Março do ano em curso está a agitar os operadores nacionais que têm naquele produto, uma das commodities de eleição.

Com o compromisso da Índia de absorver as cerca de 200 mil toneladas produzidas no país, muitos velhos e novos operadores decidiram aumentar os investimentos para comprar a produção dos camponeses, animados pelo aumento da demanda e, consequentemente, do preço do mercado. Contudo, tudo começa a mudar de figura, quando o Ministério da Indústria e Comércio (MIC) decide mudar as regras do jogo.

No lugar do sistema de concurso público anual para a selecção dos exportadores e atribuição de cotas, decidiu liberalizar o mercado e deixar que cada um coloque no mercado, o quanto puder.

A liberalização não foi do agrado de parte dos operadores comerciais. A Mazua Comercial lda, uma entidade baseada na cidade de Nampula, acabou submetendo um processo de impugnação no Tribunal Administrativo (AT), travando o processo de importações.

A situação dura desde Setembro passado e, na sua primeira reacção ao imbróglio, o Ministro da Indústria e Comércio, Silvino Moreno, atirou contra o promotor da acção judicial que interdita as exportações.

“Infelizmente os operadores comerciais têm sempre esse problema: eles não pensam no colectivo, não pensam no país, mas neles mesmo, e um dos operadores intentou uma acção que, infelizmente, teve provimento no Tribunal que interditou a exportação” disse Moreno, com tom de desagrado com a situação.

Cartéis da exportação

O que parecia um gesto cheio de boas intenções está a gerar confusão e nervosismo entre os operadores comerciais.

Através de um documento que tivemos acesso, um grupo de operadores, que não quis ser identificado, denuncia alegados esquemas que estão em volta do rentável negócio da Índia.

O grupo diz que tanto o sistema de cotas, como a liberalização, fazem parte de esquemas para beneficiar cartéis integrando pessoas da nomenklatura nacional.

“Ao invés de gerar os efeitos positivos esperados, este modelo acabou se tornando num mecanismo que beneficiou mais as elites políticas e fomentou a criação de cartéis compostos por quatro grupos que manipulam os concursos e, actualmente, monopolizam o direito de exportação com a colaboração das Alfândegas de Moçambique” acusam.

Segundo as nossas fontes, apesar da interdição imposta pelo TA, há grupos ligados aos referidos cartéis que estão a realizar exportação.

“Há cartéis que controlam e usam as instituições públicas para condicionar as exportações à cobrança de uma “taxinha” de USD 25 por tonelada, que é posteriormente compartilhada com as elites políticas e serve como recompensa para grupos empresariais que que financiaram o partido no poder, nas eleições autárquicas em Nampula” indica a carta.

Sem qualquer relação com a acusação, a Associação dos Exportadores e Importadores de Nampula, uma agremiação que junta cerca de 200 membros, olha para a confusão gerada com muita preocupação e confirma que há operadores que já tiraram feijão-bóer para a Índia.

“Saiu alguma quantidade sim, mas quem são (os exportadores) não sabemos, não conhecemos as empresas e por isso não podemos mencionar. Dos nossos associados, o maior número ainda não está a exportar e é essa a preocupação que temos” disse Hilário Mindoso, presidente da Associação dos Exportadores e Importadores de Nampula.

Mais controvérsias

Para além do triângulo que envolve o TA, MIC e os operadores comerciais, o barulho em torno do feijão mais procurado pela Índia teve outros contornos pelo meio.

Enquanto se digeria a confusão em torno da eliminação de cotas pela liberalização, o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADER) entrou em cena.

Suspendeu a emissão de certificados fitossanitários, obrigatórios para o processo de exportação, gerando outra confusão entre os exportadores. O argumento do MADER era a descoberta de certificados falsos.

A confusão levou a que o sector empresarial, através da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), viesse a público chamar atenção do Governo sobre os constrangimentos que se registam na comercialização de alguns produtos agrícolas de exportação.

Na ocasião, a CTA pediu a “intervenção urgente”, do Presidente da República, Filipe Nyusi, uma posição que gerou mal-estar no MIC.

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