Reportagem
Cerca de um milhão de hectares de mangal são anualmente destruídos em Moçambique, num crime ambiental que abre caminho para expor cidades e comunidades à mercê da natureza. Em Inhangome, um dos bairros da capital da Zambézia – uma das províncias que mais sofrem com a destruição -, há um retrato de devastação que acontece escudado na pobreza.
O som de machados descascando estacas de salgueiro denuncia a ocorrência de um crime ambiental cometido por famílias moradoras de Inhangome, um dos bairros com características rurais, localizado no litoral da cidade de Quelimane, na província da Zambézia.
Adolescentes, jovens e adultos, de ambos os sexos, juntam-se num vasto descampado cercado do que ainda resta do mangal, para produzir carvão vegetal, que posteriormente alimenta fogões de famílias e “take aways” na cidade de Quelimane.
“Estou nesta actividade há bastante tempo. A minha vida foi sempre esta: produzir carvão para o meu sustento e da minha família”, explicou um dos carvoeiros.
A produção de carvão é feita à luz do dia, contudo, os carvoeiros sabem que a madeira que usam é de corte proibido. Ainda assim, preferem correr o risco, para ganhar a vida.
“Já ouvi dizer que é proibido, mas não tenho outra forma de ganhar a vida”, disse outro carvoeiro, que, juntamente com a esposa, se encontrava em plena actividade de produção.
“Várias vezes, até já nos foram arrancados instrumentos de trabalho, como enxadas, catanas e machados, mas, depois de as autoridades irem embora, continuamos a produzir o carvão”, sublinhou.
Parcos em palavras, os carvoeiros têm no segredo o seu aliado para manter a sua actividade e negócio, daí que, sobre o local onde fazem o abate do salgueiro, optam por não falar, salientando apenas que actualmente percorrem grandes distâncias com vista a encontrarem plantas com dimensão suficiente para o uso desejado.
“As estacas, cortamos muito longe”, explicou um jovem adolescente que, por estar ciente de estar a praticar uma actividade proibida, não quis revelar o seu nome.
Uma destruição lucrativa
No geral, os carvoeiros de Inhangome disseram à nossa reportagem que as distâncias que percorrem para o abate do salgueiro está a reduzir os níveis de produção do carvão, ainda assim, a actividade continua sustentável.
“Eu costumo produzir, em média, 15 sacos de carvão por mês e cada saco vendemos a 300 meticais”, contou um dos carvoeiros mais velhos que aceitou falar à nossa reportagem.
“Antes, era fácil produzir, porque as árvores estavam próximas. Mas, agora, chegamos a ficar um mês para acumular as estacas, para termos uma quantidade suficiente para as quantidades razoáveis de carvão”, acrescentou.
Segundo contou, para a produção de uma média de quatro a cinco sacos de carvão vegetal equivalentes a 50 kg cada, são necessárias cerca de 30 estacas de salgueiro, que podem representar um abate de pelo menos seis árvores e uma devastação de considerável área de mangal.
Feitas as contas, cada carvoeiro pode ganhar, em média, 3.500 meticais por mês pela prática de uma actividade que, para além da destruição do ecossistema, deixa vulneráveis algumas zonas da cidade.
Dados oficiais indicam que pelo menos sete bairros de Quelimane, nomeadamente, Bairro Novo, Liberdade, Janeiro, Cololo, Icidua, Aeroporto e Sampene estão propensos a inundações, situação que, além de factores de localização geográfica e condições topográficas, tem sido agudizada pela destruição do mangal para produção da madeira e lenha, bem como para construção de casas de habitação, um hábito antigo visível por todo o lado.
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